Cadê o fóssil de dinossauro que tava aqui? Ops, é um fóssil de planta!
"Ser um paleontólogo é como ser um perito, exceto que todas as testemunhas estão mortas e todas as evidências foram deixadas à chuva por 65 milhões de anos."
Mike Brett-Surman
Nós, seres humanos, somos curiosos por natureza. Sempre nos interessamos em saber como a Terra e a vida tem mudado desde antes de nossa existência, no decorrer do chamado tempo geológico. Fazemos suposições de como era o planeta no princípio e nos perdemos em nossa imaginação quando fazemos visitas aos museus com numerosos fósseis em exposição. É natural nos perguntarmos como esses animais e plantas do passado, muitas vezes tão peculiares, eram em vida.
Muito embora grande parte dos museus e a paleontologia,em si, tenham um apelo maior pelos animais fósseis, especialmente os dinossauros, as plantas fósseis deram e continuam a dar importantíssimas contribuições para o entendimento da evolução da vida e, especialmente, dos vegetais.
O paleobotânico é o profissional responsável por esses estudos e por divulgar a comunidade científica e leiga, o valor e as interpretações feitas a partir de cada fóssil de planta estudado.
Entretanto, antes de prosseguirmos mais detalhadamente a respeito do “fazer” da paleobotânica, paremos para fazermos alguns questionamentos básicos.
Primeiramente, o que são fósseis?
Como os vestígios dos vegetais antigos perpetuam-se através do tempo? E como esses registros podem nos ajudar a compreender a história dos vegetais?
O termo fóssil provém do latim fossilis = extraído da terra, e é definido como todas e quaisquer evidências direta ou indireta de ocorrência de vida passada ou pré-histórica.
A paleobotânica, do grego palaios = antigo + botaniché = botânica, é o ramo da paleontologia encarregada de estudar os fósseis de plantas, ou seja, os fitofósseis (fósseis de plantas) (Figura 1).
Além das plantas propriamente ditas, a paleobotânica também estuda organismos fósseis que antigamente eram enquadrados como plantas (Reino Plantae), mas que atualmente estão inclusos em outros grupos, como bactérias, cianobactérias, fungos e afins e algas.
Figura 1. Folha e tronco fossilizados, à direita (https://goo.gl/no254U) e à esquerda (https://goo.gl/6zRp5f), respectivamente.
A preservação das plantas ocorre geralmente através da incorporação dos restos vegetais pela litosfera, fazendo com que estes fiquem livres dos agentes decompositores (ex. oxigênio, bactérias e fungos, etc.) que estão presentes em abundância na atmosfera e na hidrosfera.
De forma mais sucinta, há a necessidade de um ambiente anóxico, isto é, sem oxigênio, para que ocorra a fossilização, o que se dá geralmente por processos de soterramento. Após o soterramento, ou seja, o recobrimento por sedimentos, ocorre a fossildiagênese, etapa em que ocorrem as mudanças físicas e químicas dos restos vegetais fazendo com que estes passem da forma orgânica para a inorgânica. Em outras palavras, é o processo em que as plantas se tornam constituintes das “rochas”. Essas transformações podem ocorrer de formas distintas, dependendo do ambiente em que esteja acontecendo a fossilização.
Dentre os compostos orgânicos das plantas, os que mais facilmente se fossilizam são, em ordem decrescente de potencial de preservação:
1. Esporopolenina: componente do envoltório externo de grãos de pólen e esporos (Figura 2).
Figura 2. Grãos de pólen e esporos fósseis vistos sob microscopia de luz à direita (https://goo.gl/R9v7BM) e sob microscopia eletrônica de varredura à esquerda (https://goo.gl/WIPYNX).
2. Cutina: camada cerosa externa que recobre a superfície de várias porções aéreas da planta (caules jovens, folhas e estruturas reprodutivas; Figura 3).
Figura 3. Cutículas fósseis vistas sob microscopia de luz à direita (https://goo.gl/UnydLL) e sob microscopia eletrônica de varredura à esquerda (https://goo.gl/xOhKS0).
3. Lignina: porção lenhosa do sistema condutor e em algumas folhas rígidas (Figura 4).
4. Celulose: porção lenhosa do sistema condutor (Figura 4).
Figura 4. Traqueídes em vista transversal à esquerda (Axsmith, 2006) e vista longitudinal radial à direita (https://goo.gl/t3eU5s) sob microscopia eletrônica de varredura.
Não à toa, nos deparamos frequentemente com uma grande quantidade de estudos sobre grãos de pólen e esporos fósseis (microfósseis) e a maior parte dos estudos sobre macrovegetais aborda principalmente características cuticulares de órgãos vegetativos
A partir dos fósseis preservados e de suas características peculiares, uma gama de interpretações pode ser feita, como as paleogeográficas, paleoecológicas, paleoclimatológicas e biogeográficas. No campo das interpretações paleoambientais, os fitofósseis mostram-se bastante úteis, pois, à exceção das algas, os demais grupos estudados são essencialmente sésseis, o que os torna bastante suscetíveis às variações macro e microambientais. Tal situação exige uma estreita adaptabilidade aos locais em que vivem e as estruturas preservadas nos fósseis são comumente utilizadas para o entendimento das dinâmicas paleoambientais locais.
Embora talvez você nunca vá assistir a uma produção cinematográfica hollywoodiana sobre plantas fósseis ressuscitadas que põem em risco a vida de jovens paleontólogos, a verdade é que muitas vezes será a Paleobotânica a responsável por revelar a maior parte dos segredos da história da Terra, dos climas aos ecossistemas antigos. Exemplos marcantes da multidisciplinaridade, da aplicabilidade e das contribuições paleobotânicas serão apresentados em postagens futuras deste blog.
Fiquem atentos e bem-vindos ao mundo perdido das plantas do passado!
Referências
Taylor, E. L., Taylor, T. N., & Krings, M. (2009). Paleobotany: the biology and evolution of fossil plants. Academic Press.
Meyen, S. (1987). Fundamentals of palaeobotany. Springer Science & Business Media.
Iannuzzi, R., & Vieira, C. E. L. (2005). Paleobotânica. Ed. da UFRS.
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